Um defende facilitar o porte de armas para todos, diminuir a maioridade penal e priorizar relações diplomáticas do Brasil com Israel, Estados Unidos e Europa. O outro quer reduzir a presença de armamentos em todo o país, fazer com que a pena de prisão só valha para crimes graves e propõe retomar o foco da política externa na América do Sul e África.
Em termos de propostas políticas, Jair Bolsonaro (PSL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estão em lados opostos na disputa eleitoral. Mas Marcos Alberto Monteiro, de 51 anos, está disposto a saltar de um “extremo ao outro” na eleição presidencial de outubro. E ele não é o único – integra os 6,2% de eleitores do petista entrevistados pela última pesquisa CNT/MDA que dizem que migrariam o voto para o deputado caso a candidatura do ex-presidente seja cassada com base na Lei da Ficha Limpa.
Motorista há 23 anos, Monteiro nasceu na Paraíba e atualmente mora em Brasília. Argumenta que tem simpatia pelo ex-presidente porque sua família, que mora no interior da Paraíba, melhorou de vida durante os dois mandatos do petista.
“Todo mundo ficou com televisão e internet em Catolé do Rocha. E botaram energia em todos os sítios”, justifica. Durante os dois mandatos de Lula (2003 a 2010), anos de crescimento econômico na América Latina como um todo, foram adotadas medidas de acesso ao crédito e estímulo ao consumo interno, além de programas de transferência de renda.
Mas Monteiro deixa claro que gosta especificamente de Lula – não tem simpatia especial pelo PT, não se considera de esquerda e acha que a situação do país voltou a piorar durante o governo Dilma Rousseff.
“Eu voto na pessoa dele (Lula). Não é o partido. Se ele indicar outra pessoa, eu já não voto. Se Lula não for candidato, eu voto no Bolsonaro”, afirmou à BBC News Brasil.
Na última pesquisa CNT/MDA, divulgada no último dia 22, os entrevistados que tinham Lula como primeira opção foram questionados sobre em quem votariam caso o ex-presidente seja impedido de concorrer, sendo substituído pelo ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT), atual vice na chapa.
Nesse cenário, metade dos eleitores de Lula entrevistados se disseram indecisos ou inclinados a votar em branco/nulo. Da outra metade, 17,3% votariam em Haddad, 11,9% iriam para Marina Silva (Rede), 9,6% apostariam em Ciro Gomes (PDT) e 6,2% responderam que, se o líder petista não concorresse, migrariam o voto para Bolsonaro. Na prática, o deputado do PSL ganharia 2,3 pontos percentuais.
O que explica essa migração de votos de um candidato visto como de esquerda para outro de direita?
Voto não-ideológico e preocupação com a violência nas ruas
Cientistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que há uma lógica por trás da migração de eleitores de Lula para Bolsonaro.
Segundo o professor da Universidade de Brasília (UnB) Lucio Rennó, o perfil desse eleitor é o de pessoas de classe média e classe média baixa que sentiram melhorias no governo Lula, mas que não são de esquerda, nem têm compromisso de lealdade com o PT.
Ao mesmo tempo em que enxerga no ex-presidente a lembrança de tempos melhores, essa parcela do eleitorado se identifica com o discurso de Bolsonaro em prol da “ordem” e da “tolerância zero” com o crime.
“É uma parcela do eleitorado que vive nas periferias e que está descontente com a classe política por conta dos escândalos de corrupção e dos altos níveis de violência que afetam, principalmente, as áreas periféricas”, diz Rennó.
“Quem tem conseguido dialogar diretamente com esse eleitorado é Jair Bolsonaro. Ele fala a língua desse eleitorado e faz isso com naturalidade.”
O perfil de quem migraria de Lula para o Bolsonaro é diferente daquele dos eleitores cativos do deputado que, segundo as pesquisas de opinião, são sobretudo pessoas com ensino superior e renda alta.
Morador de Taguatinga – região administrativa de Brasília com 250 mil habitantes –, Marcos Alberto Monteiro diz que sua principal preocupação é com a violência. Ele explica que optará por Bolsonaro, caso Lula não concorra, porque se identifica com a proposta do deputado de facilitar o acesso a armas.
“Ele falou que o cidadão de bem vai poder comprar a arma e tirar o porte. Hoje em dia, quem pode andar armado é bandido e polícia. Se a pessoa invade a casa da gente, ele amarra todo mundo e faz o que quer. Se o bandido souber que pode ter arma na casa das pessoas, ele vai agir diferente”, diz o motorista de 51 anos.
A pesquisadora em ciência política Carolina de Paula, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), reforça que segurança e emprego serão alguns dos temas centrais nas eleições, e que Bolsonaro pode captar eleitores de Lula mais vulneráveis aos efeitos do aumento da criminalidade.
“O eleitorado do Bolsonaro precisa ser pensado de forma mais heterogênea. Não é só um eleitorado conservador. É uma pessoa que está insatisfeita, que quer mudança e que se preocupa com a violência e o desemprego”, diz.
“É uma pessoa que sente que o Brasil piorou, está descrente com a política e tem saudade do tempo de Lula. Essa pessoa votaria no ex-presidente na esperança de voltar a este tempo. E migraria o voto para Bolsonaro também com essa expectativa de mudança.”
E para onde vão os outros votos de Lula?
Os cientistas políticos alertam que os padrões de transferência de voto podem mudar com o começo da propaganda eleitoral na TV e quando Haddad for apresentado oficialmente como candidato do PT. Como a candidatura de Lula ainda será julgada pela Justiça Eleitoral, o ex-prefeito ainda é apresentado como vice na chapa.
Por enquanto, a principal beneficiária da transferência de votos de Lula é Marina – citada por 11,9% dos eleitores como alternativa de voto depois do ex-presidente.
Segundo pesquisa Datafolha divulgada na última quarta, no cenário em que Lula é substituído por Haddad, Bolsonaro passa à dianteira com 22%, seguido por Marina (16%), Ciro (10%), o tucano Geraldo Alckmin (9%), Álvaro Dias (4%) e Haddad (4%).
Segundo Carolina de Paula, por ter sido candidata à Presidência duas vezes (em 2010 e 2014), Marina é beneficiada pelo chamado “recall” – quando os eleitores optam por nomes que já conhecem. Segundo o Datafolha, depois de Lula, Marina é a candidata mais conhecida, por 93% dos entrevistados.
“A rejeição da Marina é uma das mais baixas, e o recall dela de 2014 é considerável. É a pessoa mais conhecida desse eleitorado. Como é um período em que as pessoas não viram quase nada dos programas eleitorais, elas não conhecem os candidatos”, diz a cientista política. “Muita gente cita o nome que vem à mente. Marina é mais conhecida.”
Lucio Rennó, da UnB, dá outra explicação para a transferência de votos de Lula para Marina. Segundo ele, a candidata da Rede seria capaz de agregar parcelas dos eleitores tanto de esquerda quanto os mais conservadores por adotar um discurso conciliador e ser “multifacetada”.
“A posição dela é a de achar um meio termo, de uma certa moderação. Ela tem um componente religioso que influenciou votos no passado. Foi militante do PT e tem o lado ambientalista. Essa ambivalência permite atrair eleitores com perfis distintos, tanto ideológicos quanto pragmáticos”, diz. “Por isso, Marina tem herdado parcela relevante dos votos que iriam para Lula. É uma escolha que deixa o eleitor confortável.”
Mas os especialistas também afirmam que parcela dos votos que a candidata da Rede receberia pode “derreter” – aumentando a migração para Haddad quando ele for anunciado oficialmente como o candidato de Lula e do PT.
Haddad aposta no horário da TV
O ex-prefeito de São Paulo é mencionado como opção de voto por 17,3% dos eleitores de Lula entrevistados pela pesquisa CNT/MDA.
Na prática, isso significa que o ex-presidente transferiria 6,5 pontos percentuais para o atual vice na chapa – pouco mais do que transferiria para Marina, 4,5 pontos percentuais.
Mas os cientistas políticos destacam que os resultados tendem a melhorar quando a campanha televisiva começar e Haddad for oficialmente apresentado como a “opção de Lula” para a Presidência. Segundo a pesquisa Datafolha, 30% dos eleitores do ex-presidente dizem que certamente seguiriam a indicação dele.
“Ele é muito desconhecido ainda, mas as pesquisas do Google mostram um aumento da procura pelo nome dele. E quando começar o horário eleitoral gratuito, com certeza teremos uma ideia mais clara da transferência”, diz Carolina de Paula.
Lucio Rennó ressalva, porém, que o PT terá muito mais dificuldade para emplacar o nome de Haddad do que teve para eleger Dilma presidente em 2010, um momento em que o índice de aprovação do governo Lula ultrapassava 80%.
“Tínhamos um governo bem avaliado pela população que tentava se manter no poder. Era um mesmo projeto sendo reeleito”, diz.
“Agora, o contexto é muito diferente. É um contexto de crise econômica que pode ser atribuído às políticas econômicas do PT. E você tem um candidato que foi prefeito de São Paulo com uma avaliação moderadamente negativa da população e que não foi reeleito.”
Ciro corre por fora
Principal nome da esquerda depois de Lula, Ciro foi mencionado por 9,6% dos entrevistados como alternativa no caso de o ex-presidente ser impedido de concorrer, conforme a pesquisa CNT/MDA.
Para os cientistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil, o eleitor de Lula que migraria para o pedetista seria de esquerda e adepto de propostas voltadas à redução da desigualdade social, mas sem afinidade com o PT a ponto de votar em qualquer nome indicado pelo ex-presidente.
“É o eleitor mais à esquerda que apoia Lula, mas que não necessariamente é petista ou mesmo simpático ao PT”, diz Lucio Rennó.
“Você tem esse fenômeno de pessoas que votavam no Lula e não necessariamente simpatizavam com o partido, mas simpatizam com a agenda de redução da desigualdade. Esse eleitorado certamente tende a ser aquele que vai escolher Ciro.”
Para a pesquisadora Carolina de Paula, o eleitor que opta pelo pedetista conhece a agenda do ex-governador do Ceará e se identifica com ela por incluir bandeiras como a revisão da reforma trabalhista aprovada pelo governo Michel Temer (MDB).
“No caso do Ciro, a transferência de votos é ideológica. Ele tem posições que agradam a esquerda. Agora, ele ainda é desconhecido da maior parte dos eleitores. Quem votaria nele já o conhece, acompanha a carreira e sabe que os valores dele em termos de política e ideologia estão mais ligados à esquerda.”
Transferência aos demais candidatos
De acordo com a pesquisa CNT/MDA, os demais candidatos receberiam apenas um valor residual de votos de Lula – um percentual baixo a ponto de se enquadrar na margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos.
Dos entrevistados, 3,7% disseram que se Lula não concorresse votariam em Geraldo Alckmin; 0,8% em Guilherme Boulos; 0,7% em Álvaro Dias; e 0,7%, em Henrique Meirelles.
“A gente precisa tomar muito cuidado com esses números muito baixos porque a gente não tem como afirmar se são diferentes de zero”, alerta o professor da UnB Lucio Rennó, para quem Alckmin dificilmente herdaria votos de Lula.
“Transferência de Lula para Alckmin é pouco provável, até porque os locais de votação onde eles disputam votos são distintos”, afirma.
BBC
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