Nos três fronts, contudo, quase nenhuma palavra sobre o que virá depois. Depois da eleição na Câmara, depois do impeachment e depois do ajuste, por onde iremos? Qual País que o Executivo e o Legislativo têm em mente?
O Congresso Nacional foi tomado, nos últimos dias, por uma verdadeira feira livre para a escolha de candidatos à presidência da Câmara. No Palácio do Planalto, o presidente em exercício Michel Temer, de olho no calendário do impeachment, tentava manobrar a disputa e pavimentar a travessia até o segundo tempo do seu mandato, após o afastamento definitivo de Dilma Rousseff. Enquanto isso, a equipe conduzida pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, continua a fazer contorcionismos para adaptar as metas da área econômica à dura realidade do cenário político.
Nos três fronts, contudo, quase nenhuma palavra sobre o que virá depois. Depois da eleição na Câmara, depois do impeachment e depois do ajuste, por onde iremos? Qual País que o Executivo e o Legislativo têm em mente?
Infelizmente, sob o ponto de vista da construção de projetos que interessem de fato aos cidadãos, não é nada animador o espetáculo proporcionado por essa inacreditável competição pelo comando da Câmara, com recorde de candidatos e déficit de propostas.
É claro que ninguém – pelo menos ninguém com responsabilidade social – nega a necessidade de se fazer um ajuste duro, à custa de enxugamento de gastos e reforço na receita, incluindo até algum aumento de imposto. Também não dá para ignorar que o tamanho e o figurino desse ajuste tenham de se submeter a pressões e contrapressões dos lobbies que dominam o Congresso. Esse mesmo e peculiar Congresso onde prevalece a lógica do “mais é menos”: quanto maior a base parlamentar, maiores as dificuldades do Executivo para montar e fazer aprovar qualquer projeto.
O governo amaldiçoa os constrangimentos criados pela vinculação de gastos públicos imposta pela Constituição. Tanto assim que se empenha para aprovar a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que aumenta de 20% para 30% a parcela de recursos do Orçamento com livre aplicação. E não há garantia de que a área social será preservada.
Mas de que gastos sociais estamos falando? Mal ou bem, a julgar pelos indicadores disponíveis, as verbas para as chamadas áreas sociais parecem estar resistindo.
Um estudo recente da Secretaria do Tesouro Nacional mostra que a participação dos gastos sociais (incluindo Saúde, Educação, saneamento e emprego, entre outros) atingiu, no ano passado, dois terços das despesas totais da União. E, contrariando o senso comum, o mesmo estudo indica que, em relação ao PIB (Produto Interno Bruto), em 2013, esses gastos correspondiam a 15% e superavam os dos países emergentes da Ásia, como a Coreia do Sul, sempre apontada como parâmetro para eficiência em gastos públicos.
Números são números, mas parecem no mínimo duvidosos para o cidadão comum.
Como explicar, por exemplo, o fato de que, depois de um período em que o Brasil foi considerado referência para o tratamento de aids, o número de casos volte a subir? Na Educação, as coisas não são diferentes. A farra do programa de financiamento estudantil, o Fies, ampliou mais os ganhos de universidades privadas do que o acesso ao ensino. E várias universidades públicas simplesmente agonizam.
Pode até faltar dinheiro para as áreas sociais. E sempre falta. Mas faltam também projetos consistentes, que vão além de metas meramente quantitativas, e fiscalização para garantir a eficiência na sua execução.
Segundo levantamento preparado pelo Ministério da Transparência (ex-Controladoria-Geral da União) e revelado pela Coluna do Estadão, de 221 auditorias realizadas, 67% são referentes ao uso de recursos na Saúde e na Educação.
Diante desse quadro, o temor é que, assim como neste ano, no próximo e nos próximos ainda, a discussão sobre gastos sociais se concentre nos grandes números, sem entrar a fundo no que será feito com esse dinheiro.
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